domingo, 19 de maio de 2019

DeUS CRIOU O MAL?

D’US CRIOU O MAL?

Maimônides [1] responde a esta pergunta. Vamos rever ...

Diferentes definições de "Criar"

Antes de rever o texto da Torá, Maimônides esclarece um equívoco da palavra "criar". Ele cita a seita dos Mutakallemim que viram cegueira e surdez como propriedades positivas, considerando tais situações como criações reais de D’us. Maimônides demonstra o erro deles através de uma analogia: Aquele que remove um obstáculo que encontra-se adiante de outra pessoa, está de alguma forma, "criando" movimento. Da mesma forma, aquele que remove o pilar de sustentação de um edifício, de alguma forma "cria" um movimento para baixo de todo o teto.
Porém, em ambos os casos, o que houve foi ação aplicada da pessoa em relação ao obstáculo e a viga, respectivamente, e assim, não houve de fato um "movimento" criado de forma direta. No entanto, podemos dizer que a pessoa que atua sobre o obstáculo e sobre a viga é o "criador" do movimento resultante. Da mesma forma, aquele que remove a luz de um quarto, é visto como tendo criado a escuridão, embora a escuridão não seja algo real, como é a luz. A escuridão é meramente aquilo que permanece quando a luz é removida. Alguém poderia ser chamado o ‘criador’ da escuridão neste sentido, embora nada de positivo tenha sido criado, pois a escuridão não tem existência positiva.
Tendo sido mostrada esta distinção clara e válida entre dois tipos de criação, ou seja, a criação real de uma entidade positiva, e a criação 'denominada’ ou incidental de certas coisas, tais como a escuridão, Maimônides continua a examinar uma passagem da Torá que lida com esta questão: Isaías 45: 7 afirma, "Eu formo a luz e criar (borê) a escuridão, eu faço ('oséh) a paz e crio (borê) mal ..."

Maimônides aponta para a distinção das diferentes palavras aplicadas à ‘luz’ e às ‘trevas’, à ‘paz’ e ao ‘mal’. Em relação à luz, a palavra usada é "yotzer", que significa formar uma coisa a partir de matéria já existente. O sol foi feito a partir de um material já existente, por conseguinte, o termo "yotzer" é empregado. No entanto, ao descrever a "criação" da escuridão e do mal, a palavra usada por D’us é "borê", que refere-se a agir sobre o nada, como na frase, "No princípio, D’us criou o céu (bará) e a Terra". Aqui também, D’us estava criando nosso mundo do nada, de modo que a palavra " bará " é usada para ensinar apenas este ponto. A regra é que quando D’us se relaciona com nada, o termo "borê/bará" é usado.
Quando esta passagem diz que D’us cria ("borê") a escuridão e o mal, isso significa que ele criou no seguinte sentido: Ele é a causa da escuridão e do mal só na medida em que criou a luz e a paz – coisas que podem ser removidas – deixando em seu lugar, a escuridão e o mal . O fato de que D’us não criou as trevas como ele criou a Terra, por exemplo, é claro: Ele só cria entidades positivas.  A criação per se significa afetar um objeto real de alguma forma. Quando há um objeto, podemos dizer dele que foi de fato, criado. Mas a escuridão e o mal não são entidades positivas, como então alguém pode agir sobre o que não é positivo, mas sim, sob aquilo que é apenas uma privação? A criação é uma força que faz com que algo novo a emane como uma entidade positiva, como a criação da Terra, do Sol ou de qualquer outra coisa real, objetiva. Mas a escuridão não é uma ‘criação objetiva’, mas sim, um subproduto da luz e, portanto, não é algo autenticamente ‘criado’.

O MAL NÃO TEM EXISTÊNCIA VERDADEIRA

Maimônides então se dedica a demonstrar o que é o "mal". Ele mostra todos os males são privações e entidades não positivas. O mal é entendido como algo que ‘está faltando’ - não é algo positivo. Por exemplo, é ‘mal’ quando o homem é pobre, sente fome, é cego ou ignorante. E em todos esses casos, o mal é devido ao fato do homem não ter sucesso financeiro, de não ter comida, de ter perdido a visão, ou de nunca ter se tornado um sábio. O mal em todos esses casos é a privação de algo real, positivo. Portanto, esses males não foram criados, porque males não são realmente coisas existentes. São termos que denotam a falta de entidades positivas reais como alimentos, sabedoria, saúde ou riqueza – e assim, Maimônides ensina que a expressão, "e eis que era bom" usada em Gênesis em referência à criação a cada dia é porque D’us só produz existência real, e toda a existência é boa. Todos os caminhos de D’us são bons. D’us não pode criar realmente o mal, uma vez que o negativo não pode ser criado. Assim, a teoria problemática de que D’us cria o mal está equacionada.

“Porventura da boca do Altíssimo não sai tanto o mal como o bem? ”
Lamentações 3:38

[1] "Guia dos Perplexos", capítulo 10, páginas 265-267, Dover Publications)

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